27.11.07

 

Debates Incompletos


Reacendeu-se, nos mais variados meios da Comunicação Social, com certa surpresa, acrescente-se, o debate sobre a Religião e a Ciência.

Há quase cem anos, ainda o público leitor se excitava imenso com este tipo de questões, abertamente discutidos, por exemplo, por Bertrand Russel, matemático e filósofo, notável livre-pensador, que chegou a conhecer a prisão, em consequência da exposição pública das suas ideias. Suspeito que hoje muito menos gente se preocupará com tal assunto, atitude que começa perigosamente a generalizar-se a muitas outras áreas do pensamento.

Daí a força actual do Futebol e de certo tipo de diversões ou passatempos acentuadamente alienantes, justamente porque conduzem o espírito humano para zonas de profunda esterilidade ou inutilidade, quando não de consequências absolutamente nocivas, pela prática de violência gratuita que lhes está associada.

As esferas próprias de cada um destes magnos temas – Ciência e Religião – encontram-se, de há muito, razoavelmente delimitadas.

Desde o Concílio Vaticano II, realizado no início dos anos 60 do século passado, sob a égide de um Papa reformador, como João XXIII, considerado até bastante progressista pelo numeroso grupo de intelectuais marxistas e terminado já com o Papa, menos progressista, Paulo VI, mas, ainda assim, sem o rótulo de reaccionário, que posteriormente haveria de ser abundantemente utilizado com João Paulo II, sobretudo a propósito de temas de índole moral, e de novo com o actual Papa, Bento XVI, ex-Cardeal Ratzinger, tido como guardião da pureza da Fé, embora sem dispor do braço secular, outrora disponibilizado pelo Poder, para punir eventuais heresias, facto só possível pelo conluio activo da hierarquia da Igreja com o Poder laico, não esqueçamos o pormenor.

Pese a antiga função do Cardeal Ratzinger, Bento XVI goza de eminente reputação intelectual, manejando com a competência de universitário erudito, que ele inequivocamente é, toda a base teológica da doutrina cristã.

Causou algum furor a sua comunicação lida na Conferência de Ratisbona, ao reavivar uma discordância ocorrida num diálogo entre um ilustrado imperador bizantino com um persa erudito sobre o Cristianismo e o Islão e a verdade dos dois credos, nos anos distantes do final do século XIV, ainda na Idade Média.

Vimos, pela exuberância da reacção muçulmana, como estes interlocutores ainda se acham, culturalmente, demasiado próximos da mentalidade intolerante desse tempo.

Estranhamente, o debate que se reacende sobre as relações da Religião com a Ciência ignora este facto fundamental que é o da impossibilidade prática de ele se processar com o Islão, que, para o bem ou para o mal, já se instalou na Europa, por vezes com propósitos pouco convivenciais, tal a força com que explodem as suas indignações sobre os mais variados assuntos que, supostamente, belisquem ou tratem com menor dignidade a sua delicada sensibilidade religiosa e cultural.

Vejo, com espanto, que sempre os nossos mais ousados cientistas escolhem como alvo, para exercer a sua afronta, o Cristianismo, em particular a Igreja Católica, apontada como herdeira de tudo o que de infame se passou em séculos anteriores, nas suas relações com a Ciência e com os cientistas, em geral. Logo vêm à baila os casos de John Huss, Giordano Bruno, Galileu, etc., sendo o caso do pisano sempre muito citado, como quase-mártir da suposta imaculada Ciência.

Contam-se, no entanto, pelos dedos, os casos em que estes bravos cientistas ou denodados intelectuais polivalentes ousam tocar, ao de leve que seja, nos dogmas teológicos e nas restrições à liberdade de expressão de pensamento e de comportamento do Islão.

Todo o seu ímpeto argumentativo se concentra na crítica à Igreja Católica, quando desde pelo menos o Vaticano II, esta adoptou, como Instituição, um diálogo respeitoso com a Ciência e a chamada sociedade civil, em geral, aceitando, cada vez com maior naturalidade, a diferente especificidade de cada área do conhecimento, defendendo, sem impor a ninguém, a sua Doutrina e normas morais de comportamento dela decorrentes.

Ninguém hoje pode alegar perseguição ou cerceamento da sua liberdade por qualquer instância da hierarquia da Igreja Católica, que se vê frequentemente desrespeitada, desacatada e até insultada, no seu múnus privado, sem que dela haja partido qualquer acto censório ou reprobatório que merecesse justificada reacção. Eis o que me espanta, quanto à acção destes ditos espíritos ousados da moderna intelectualidade ocidental.

Quando, ao fim de largas controvérsias, se atingiu um clima de mútuo respeito e de franco convívio entre a Igreja Católica, a Ciência e a Cultura ocidentais, eis que regressam estes assanhados pensadores a investir contra os seus moinhos de vento imaginados como espessas fortalezas do mais negro obscurantismo.

O espectro deste encontra-se, hoje, alhures, noutras correntes religiosas, que cresceram rapidamente sobre o vazio espiritual suscitado, primeiro pelo militante materialismo, predominantemente de raiz marxista, depois pelo hedonismo exacerbado, reforçado pelo frio cinismo egoísta e pelo nihilismo sofisticado, tudo isto naturalmente desembocando num caldo cultural propício à multiplicação das seitas de todo o tipo, das crendices, às bruxarias e demais fantasias que sucessivamente se ramificam, num crescendo estarrecedor.

Atente-se, todavia, que este fenómeno só parece afligir o Ocidente evoluído e requintado, permanecendo-lhe grandemente imune o mundo do Islão, dir-se-ia expectante, mas preparando-se para a sua acometida final, alimentando um visível desejo de vingança.

Periodicamente lá nos vêm recordar a sua malfadada derrota na Reconquista Cristã da Península Ibérica e o perdido domínio islâmico otomano que, por vários séculos, se espalhou pelos Balcãs, detido, in extremis, por duas vezes, às portas da elegante Viena.

Por que motivo não assistimos a nenhuma confrontação de tipo ideológico entre o vanguardismo científico-filosófico ocidental e o mundo muçulmano, que se vai entre nós progressivamente expandindo, sem revelar aquisição cultural significativa do novo meio em que se encontra ?

Por que motivo, no Ocidente, se critica tanto o Cristianismo e nunca ou rara e timoratamente se questionam os dogmas ou as práticas de vida impostas pelo Islão, no Ocidente, por enquanto, apenas aos seus seguidores, mas nos países muçulmanos indistintamente a todos os cidadãos ?

Onde está então a coragem intelectual e cívica destes ilustres pensadores ocidentais, que se esgotam a criticar a Igreja Católica, instituição que hoje não tem praticamente nenhum poder no plano secular, guardando tão-somente alguma influência cultural remanescente nas sociedades modernas, ao mesmo tempo que demonstram um silêncio atemorizado em relação a outras crenças muito menos abertas e muito menos tolerantes, como, por exemplo, o Islão e algumas novas seitas de cariz alegadamente demiúrgico, catastrofista ou de puro charlatanismo, ainda que encoberto pela capa do direito à sua suposta prática religiosa ?

Conviria certamente ouvir os insignes cientistas e intelectuais do chamado Ocidente a respeito destas comezinhas questões.

AV_Lisboa, 26 de Novembro de 2007

22.11.07

 

Quem Defendemos Também nos Define


Os últimos episódios políticos que intensamente se viveram, por interposta Comunicação Social, a que alguns presunçosos lusos chamam media, pronunciando a palavra à inglesa ou mesmo escrevendo já mídia, como faz a imprensa do Brasil, desprezando a origem latina do termo, foram, muito provavelmente, a intervenção do rei de Espanha, na Cimeira Ibero-Americana, no Chile, sugerindo ao façanhudo Chávez que se calasse, quando este se descosia em insultos ao antigo Primeiro-Ministro espanhol, José Maria Aznar e a cena de arruaça em directo na TV, promovida por putativa Deputada venezuelana, apoiante de Chávez.

No primeiro caso, a nossa esquerda, a desportiva e a governamental, tomaram logo as dores do plebeu Chávez, supostamente ofendido, na sua dignidade de Chefe de Estado, pelo monarca espanhol.

Curiosa, a preferência que estas pretensas esquerdas têm por caudilhos militares palavrosos, logo que estes vociferem certos impropérios anti-americanos. Ei-los, invariavelmente, a rejubilar com as insolências do louco do Irão, com as diatribes de Fidel ou com as desbragadas bravatas de Chávez.

Quantas vezes mais teremos de assistir a enganos, monumentais fraudes ou descomunais embustes políticos para que toda esta gente ganhe definitivamente juízo na sua colectiva cabeça política ?

Este Chávez, cujo passatempo é insultar, lançar piadas, insinuações ou intimidações aos seus adversários políticos, quer agora convencer-nos de que ficou melindrado com a pergunta de Juan Carlos – Porque não te calas ? - a propósito da sua interminável verborreia.

Só podemos estranhar que nunca antes ninguém haja reagido tão rápida e espontaneamente como o rei espanhol ali o fez. Era mais que tempo de alguém sair ao caminho deste desbocado caudilho e a nossa estimada esquerda, a festiva e a governamental, imaginadamente socialista, deveria saber escolher melhor os seus heróis ou paradigmas.

Já no comportamento da Deputada apoiante de Chávez, na TV venezuelana, o caso toma foros circences, notando-se bem a afoiteza da mulher, que por certo actuará com as costas quentes em coutada privada do caudilho apalhaçado.

Esperemos que aqui haja mais decoro da nossa putativa esquerda fracturante, para não termos de a ver solidarizar-se com esta Maria da Fonte dos trópicos.

Um pormenor convém, no entanto, salientar. O actual PM espanhol, JL Zapatero, interveio em defesa do seu antigo adversário político, JM Aznar, reprovando frontalmente as insolências de Chávez. Tenho as maiores dúvidas de que Sócrates, em idênticas circunstâncias, fosse capaz de fazer o mesmo.

Em certas coisas, os espanhóis podem, de facto, dar-nos lições, sobretudo hoje, numa época em que absurdos e persistentes complexos nacionais nos reduziram à mais vergonhosa subserviência perante todos aqueles que nos ofendem ou nos desconsideram, como Nação ou como Estado. Dispenso-me de citar casos e circunstâncias, tão numerosos e vulgares eles se tornaram.

AV_Lisboa, 22 de Novembro de 2007

18.11.07

 

Continuando a Questionar a Utilidade destes Escritos


Reatando o tema da utilidade dos escritos que aqui vou colocando e para, de certo modo, responder às opiniões que dois leitores aqui me deixaram, acrescentarei mais algumas considerações sobre esta actividade aparentemente inútil, ou melhor, sem visível repercussão no mundo que as vai suscitando.

Sem precisar de invocar altos exemplos, o que poderia ser entendido como mera vaidade ou descabida pretensão, direi aquilo que qualquer um sabe, que a escrita tem o seu quê de solitário, de diálogo consigo próprio, com a sua consciência, em primeiro lugar, antes de se poder transformar, em conversa mais alargada com o meio que nos rodeia, com o vasto mundo tornado plateia possível, por este poderoso suporte electrónico que a moderna Tecnologia colocou ao nosso cómodo alcance.

Quando praticamente cessaram os encontros quotidianos nos cafés, em que se estabeleciam animadas tertúlias, algumas célebres, pela categoria intelectual dos seus membros, que continuamente se estimulavam pela argumentação concordante ou discordante que ali mesmo se gerava; quando a actividade político-partidária perdeu interesse, pela falta de paradigmas que a orientem, por dela terem desertado as figuras mais criativas que a poderiam motivar, em muitos casos por marcado egoísmo ou excesso de individualismo, males difusos da nossa época, descrente amargurada de utopias que se foram desmoronando ao longo de todo o século XX, de que o final foi apenas o seu estertor; quando desaparecem espaços próprios para o convívio, substituídos por ambientes de alto ruído, que impedem qualquer veleidade de uma franca conversação, eis que nos surge este novo meio, a blogosfera, capaz de reintroduzir alguma esperança na convivência harmoniosa das sociedades actuais.

Com duas guerras magnas e imensas outras menores, desmentindo ideais e valores proclamados em séculos anteriores, todo este século XX acabou por gerar o presente nihilismo, para uns, e o hedonismo mais exacerbado, para outros.

Claro que continua sempre a haver quem persista, quem reme contra a maré, mas a escassez de êxitos e de estímulos acaba por produzir uma espécie de fechamento de horizonte. Daqui à desistência ou ao conformismo vai um pequeno e perigoso passo.

De novo se precisa de reactivar a vontade, dar-lhe um suplemento de alento para prosseguir a caminhada.

Pela minha parte e na modéstia dos meus recursos, é o que procuro fazer, intervindo no debate cívico em que sinto poder contribuir, com pontos de vista adequados, oportunos, instigando acções e também apontando o que me parece errado, denunciando certos mitos modernos, fantasias nocivas em que a humanidade cai, espantosamente, com demasiada facilidade.

Vivemos dias de extremos contrastes, muito contraditórios no seu significado e para não desanimarmos, temos de firmar-nos em valores robustos. Já outros, antes de nós, passaram por provações piores e souberam, melhor ou pior, vencê-las. É nisto que precisamos de acreditar.

As convicções que acalentamos : religiosas, filosóficas, artísticas, políticas, éticas ou outras, desde que verdadeiras, elevadas, de preferência altruístas, ajudam-nos certamente a prosseguir, valorizando o que nos motiva, o que nos impulsiona e desprezando o que nos degrada, o que nos abate. Eis um arremedo de boa doutrina.

Para aferi-la, a realidade das nossas acções, coisa que aqueles que connosco lidam, estejamos seguros, nunca se dispensarão de no-lo lembrar.


AV_Lisboa, 18 de Novembro de 2007

15.11.07

 

A Utilidade destes Escritos

Com frequência me questiono sobre a utilidade destes escritos. Para ter uma ideia do universo que eles abarcam, coloquei, há cerca de ano e meio, um contador que vai registando as visitas recebidas. Não sei, em rigor, dizer se são muitas ou poucas. Comparadas com certas vedetas da blogosfera, serão escassas.

Fora dessa bitola, serão medianas. Nisto, dá-se um fenómeno parecido com o dos livros. Há aqueles que têm imensos leitores, às vezes sem sequer haver relação com o seu conteúdo, mas por factores secundários, como, por exemplo, a notoriedade mediática dos seus autores, fenómeno que se acentuou ultimamente, com os surpreendentes êxitos editoriais de duas estrelas da TV : Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos.

O primeiro já com uma longa carreira de jornalista nos vários meios da Comunicação Social : TV, Rádio, Jornais (diários e semanários), Revistas (semanais ou mensais), etc., etc.

O segundo, igualmente, já com uma presença antiga, diariamente apresentando telejornais, quase sempre terminados com uma pequena brejeirice, piscando o olho aos telespectadores, sobretudo aos do sexo feminino, que, suponho, também constituam o seu grande manancial de leitores.

Do MST, tenho boa opinião, como jornalista e como homem. Em geral, escreve bem e é claro nas suas posições, sem receio de melindrar supostas sumidades, políticas ou outras, com o senão de, por regra, conceder notória benevolência, a respeito de tudo aquilo que faz a família Soares, a de sangue e a política, esta última assaz numerosa e em que pontua muita gente de carácter mais que duvidoso.

Li, como muitos, o seu livro de viagens Sul, que me agradou bastante, como li também dezenas ou centenas de artigos seus, anos a fio, nos jornais em que tem colaborado.

Mas já não li o Equador, nem me parece que vá ler este Rio das Flores, demasiado incensado pela Comunicação Social fútil que nos serve, habitualmente, imensos falsos valores, frivolidades de todo o género, a que um público falho de sensibilidade cultural, embotado no gosto, extremamente influenciável, empresta facilmente um estatuto de enorme popularidade, esgotando edições, atrás de edições.

É óbvio que desconfio disto, ainda mais, olhando para a espessura dos livros, com centenas de páginas, para serem devoradas num país de baixos índices de literacia, onde nem os universitários, Professores e Estudantes demonstram expressivo interesse pela leitura, excluindo, naturalmente, aquela estritamente obrigatória da sua área profissional ou de formação.

Outra hipótese será a de admitir que os livros se vendem, mas pouco se lêem, figurando na estante mais para compor o ambiente da sala ou do escritório, para lhe conferir um aspecto de ambiente mais culto ou civilizado, para bem impressionar eventuais visitas.

Enfim, mesmo que sejam completamente lidos pelo público comprador, ouso crer que os êxitos se devem em grande parte à notoriedade mediática dos autores, muito mais do que ao interesse dos temas tratados ou à arte com que são elaborados, porque, não nos esqueçamos, a escrita é também uma arte, para alguns mesmo, a suprema, como a considerava o nosso excelso Eça, requintado no escrever, no conversar, como no vestir, segundo nos atestaram aqueles que com ele conviveram.

Do JRS, jamais li fosse o que fosse, embora tenha comigo a Filha do Capitão, que comprei com boa intenção, por saber que nele se desenvolve uma história passada com um militar português destacado na Flandres, na Primeira Guerra Mundial, como aconteceu com o meu avô paterno, felizmente herói regressado, festejado na sua terra, sobrevivente daquela horrenda mortandade.

Entretanto, sempre se lhe antepuseram outras prioridades e ele lá vai continuando na estante à espera de melhor oportunidade. Admito, por isso, que a muitas outras pessoas tenha sucedido o mesmo. Daí julgar que edições numerosas e leitura não estejam garantidamente em relação biunívoca.

Aqui há tempos, alguém da blogosfera publicou excertos de uma obra de JRS, por sinal bastante apimentados, com fortes descrições de cenas de erotismo, como pude verificar, que talvez expliquem, em parte, os sucessos literários alcançados.

Tenho consciência de que posso estar a ser injusto com estes autores, mas apenas exprimo uma opinião pessoal, baseada em algum saber de experiência feito e, também, algum honesto estudo, cabe igualmente aqui afirmá-lo, em tributo da memória do imortal Luís de Camões, aqui modesta, mas frequentemente evocado, em compensação do esquecimento a que o votam os actuais Programas da disciplina de Português do Ensino do nosso amargo descontentamento.

Nunca será de mais denunciar a nossa comum responsabilidade de cidadãos tidos por democratas, que assistimos, com incontida indignação e suma vergonha, ao maior fracasso político do regime instaurado em Portugal em Abril de 1974.

Refiro-me, evidentemente, ao destrembelhado Sistema de Ensino que por aí opera, mais degradado hoje que há cinco anos, como este já o era em relação ao da década que o antecedera e assim sucessivamente, quem sabe até quando, se até ao seu descrédito total.

Valerá, pois, a pena escrever, aqui ou noutro local, para chegar a este tipo de pensamentos, cada vez mais lúgubres e desesperados, quanto à possibilidade de uma regeneração do Ensino Nacional, público, sobretudo, como à ansiada reedificação ética e cívica, principalmente, do próprio País ?

Respondam os eventuais leitores !


AV_Lisboa, 14 de Novembro de 2007

2.11.07

 

A Entrevista Decepcionante




Estive há pouco a ver a entrevista da Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, na RTP1, convidada no programa de Judite de Sousa.

Confesso que já me enfada tanta conversa sobre a Educação que não há, sobre o Ensino que não se pratica, sobre o aproveitamento escolar que é medíocre, sobre a indisciplina que se vulgarizou e aumentou de gravidade e sobre um extenso rol de outras insuficiências de algo que nos custa caro, em dinheiro, no presente, e em capacidade diminuída, como Comunidade, no futuro.

Várias vezes, aqui mesmo, me ocupei deste tema, não como especialista, que não sou, nem nunca pretendi ser, mas como cidadão preocupado com o rumo da sua Polis, nesta matéria, há longos anos periclitante.

A Ministra aparenta firmeza e autoridade, mas esconde incompetência e demagogia. As explicações da Ministra sobre o famigerado Estatuto do Aluno, nova peça brilhante das iluminadas cabeças dos chamados peritos em Educação, que devem pulular lá pelo Ministério, não são nada convincentes.

Se estava bom, não precisaria de alterações, nem estas surgiriam apenas depois da contestação pública. Se as alterações se tornavam necessárias, não estaria bom, como qualquer mente desobnubilada consegue atingir. Creio, por conseguinte, que só cérebros ideologicamente enfeudados podem ter gostado da prestação da Ministra e da sua Política.

Afirma-se satisfeita com os resultados obtidos no último ano, que se traduzem por melhorias significativas - 11% ? - em Matemática e em Português, não especificando de que nível.

Diz que se reduziu já o abandono escolar, se aumentou a competência escolar dos alunos, se deu formação profissional a muita gente, que voltou, entretanto, à Escola e logrou o seu Diploma de Estudos, contribuindo para a melhoria geral da capacidade técnica dos Portugueses.

Que bom seria, se nisto pudéssemos acreditar, sabendo nós que trabalhar para as Estatísticas é bem diferente de melhorar seja o que for.

Depois de terem tolerado erros de ortografia e até de sintaxe, nas provas de Português do 9º ano, não admira que as taxas de aproveitamento tenham subido. Analogamente, baixando o grau de dificuldade das provas de Matemática e subindo o da tolerância classificativa, também se alcança maior êxito final. E se as estatísticas o confirmam, o desiderato estará atingido.

Para a Ministra, quem não engole estes argumentos, tem uma ideia deturpada da realidade, está de má fé ou possuído de uma visão catastrofista.

No final, ainda se saiu com um argumento de peso : as gerações actuais não sabem menos, sabem outras coisas, dominam outros saberes, sem distinguir os respectivos conteúdos desses saberes.

Deu, como exemplo, embevecida, o facto de os alunos actualmente saberem mais de informática e de inglês do que os de gerações anteriores. Coisa maravilhosa de se ouvir, ainda mais vinda de alguém que dirige a Educação de um País.

Partir do princípio de que utilizar uma ferramenta de trabalho mais evoluída, mais poderosa, que antes não existia ou tinha menos alcance, só por si equivale a maior capacidade do utilizador, é cair num logro infantil.

As ferramentas, os instrumentos ou utensílios de qualquer actividade são produtos da Tecnologia de uma dada época e apenas aumentam a possibilidade de intervenção dos seus utilizadores, sem com isso significar que tenham mais capacidade do que outros seus antecessores, que não dispuseram desses mesmos instrumentos. Não perceber isto é grave, sendo Ministra, é inadmissível.

Quanto ao Inglês, isto então é uma autêntica falácia, porque aqui há termos de comparação. Confrontem-se as provas de Inglês do Ensino Secundário das décadas anteriores, com as actuais, comparem-se os seus respectivos graus de dificuldade e depois tirem-se as conclusões quanto ao domínio do Inglês dos alunos de diferentes épocas.

Não poderemos comparar o conhecimento do Inglês entre os alunos do Ensino Primário, porque só há pouco tempo é que ele aí foi oficialmente introduzido. Como também não deveremos exultar com esse simples facto, porque o conteúdo da sua aprendizagem é muito modesto, não indo além de banalidades, do chamado vocabulário e frases de sobrevivência.

Enfim, esta entrevista revelou-se bastante desinteressante, mostrando uma Ministra determinada no erro e na ilusão.

Finge a Ministra ignorar a realidade do baixo aproveitamento escolar dos actuais estudantes dos vários graus de Ensino. Não cura do fraco saber adquirido de matérias fundamentais, como ler, com desembaraço, escrever, sem erros e com sentido, fazer contas simples, dominar as 4 operações da Aritmética, para depois progredir na Matemática, como nas restantes disciplinas do Ensino Secundário, para finalmente poder chegar à Universidade, se o mérito comprovado assim o justificar.

Esquece ou desatende o grave problema da disciplina no interior das Escolas, as faltas de respeito entre alunos e entre estes e os Professores, em muitos locais já insultados e agredidos, quase sempre de forma impune para os prevaricadores.

Neste ponto da disciplina ou da sua falta segue a orientação de uma sua correligionária, Ana Benavente, de seu nome, se a memória me não falha, que no tempo do facundo Guterres, o tal que tinha a paixão da Educação, lembremo-lo, nos perorou sobre a bondade das doutrinas permissivas, tolerantes, integradoras, absolutamente delirantes de falta de realismo, que tanto dano causaram ao nosso já muito desacreditado Sistema Educativo.

Evidentemente que, neste tema, a culpa não pertence apenas aos ditos socialistas, mas a todos os Partidos que têm assumido responsabilidades governativas, bem como aos que têm conseguido povoar a estrutura do Ministério com os seus industriados militantes.

De um modo geral, todos eles têm sido coniventes com a facilidade, a tolerância excessiva, a Estatística mistificadora de resultados, a produção incoerente de reformas, que desarticularam e desregularam todo o Sistema Educativo, com enorme prejuízo do Ensino Público, base fundamental da formação de qualquer Comunidade.

Deixar destruir ou permitir que se torne inoperante o Ensino Público de uma Comunidade, no caso, de uma Nação, é cometer contra ela um dos crimes mais nocivos que a há-de prejudicar, no presente e, sobretudo, no futuro, que ficará, por isso mesmo, seriamente comprometido.

Cumpre, pois, restaurar a credibilidade do Ensino Público, mas para isso é preciso cortar com os mitos, com os falsos princípios e com as fantasiosas doutrinas pedagógicas que no presente o dominam.

A tarefa é imensa, exige clarividência de espírito, esforço e determinação.

Seremos capazes de a executar ?

AV_Lisboa, 01 de Novembro de 2007

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